domingo, 2 de agosto de 2009

Entrevista: delegada da mulher (parte II)

Hoje publicamos a segunda parte da entrevista com Maria Nysa Moreira Nanni, responsável pela Delegacia da Mulher de Guarapuava. Ela informa sobre os procedimentos em caso de agressão e também comenta o panorama atual da aplicação da lei.


PLMP: Qual deve ser o procedimento da mulher que sofre violência?

MNMN: O procedimento da mulher que sofre violência é comparecer à Delegacia da Mulher e noticiar o crime. Em caso de lesões será encaminhada ao Instituto Médico Legal para elaboração de laudo pericial. Já em caso de estupro será realizado o laudo de conjunção carnal e ato libidinoso, além do encaminhamento para a profilaxia, em postos de saúde ou hospitais públicos, contra doenças venéreas e AIDS e medicação com a pílula do dia seguinte para evitar a gravidez. A mulher que sofre violência física ou sexual deve procurar os serviços da polícia e de saúde em 24 horas a fim de que seja possível a perícia. Existe uma limitação na capacidade investigativa dos crimes. Se eles deixam vestígios, temos de aproveitá-los enquanto existem. Nos casos de violência não física, a mulher também tem prazo para representar: crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação) e ameaça exige seis meses para o fim do inquérito e início do processo penal – assim como o próprio crime de estupro e a lesão corporal leve. É o prazo decadencial que corre ininterruptamente, sem previsão de suspensão legal. Quando a vítima comparece na delegacia, representa e desaparece, é considerada a sua atitude como retratação tácita.


PLMP: Muitas mulheres dão queixa do marido, mas depois declinam do direito de representar contra o mesmo. Em sua opinião, por que isso ocorre e qual a orientação de vocês nesses casos?

MNMN: A mulher que se retrata tem seus próprios motivos para fazê-lo. Eu sempre converso e pergunto acerca da vida que tem com o marido. Eu aconselho de coração que ela providencie a separação, pois ninguém merece viver mal, nem que não haja violência física. Nós também advertimos sobre o perigo de perdoar, pois isso resulta em dar mais poder ao agressor. Discordo totalmente da idéia de dilema no qual a mulher “fica triste em denunciar quem ela ama”. Se alguém ama quem o agride, essa pessoa vive em [uma relação de] sado-masoquismo e isso é caso psiquiátrico. Não existe lei que resolva uma situação dessas. Ou seja: há pessoas que só entendem relação com dor e domínio, mas não aceitam conscientemente isso por algum bloqueio moral ou religioso. Então perdoam, mas na verdade nunca condenaram o marido. Apenas compareceram na delegacia e denunciaram para evidenciarem sua condição de vítima.


PLMP: Após quase três anos da implantação da Lei Maria da Penha, que avaliação você faz dessa lei? Em que sentidos houve avanço desde que ela foi implantada e o que falta para que a lei progrida ainda mais?

MNMN: A Lei Maria da Penha não tem força para resolver problemas afetivos e as vítimas, quando nos procuram, acreditam que, por alguma mágica, o homem seja coagido a mudar e melhorar. De certa forma a lei criou esse problema: expectativa de solução de situações não criminais. A população ainda não entendeu plenamente que a Lei Maria da Penha resolve situações criminais, ou seja, quando a mera discussão ou desentendimento do casal foi além do razoável.
Pensemos então o seguinte: se alguém consegue destratar severamente uma pessoa com quem teve filhos, tem relação sexual e/ou convive há tempos, isso significa que o desgaste já está instalado há muito tempo. Faço questão de evidenciar, pois é impossível [a existência de] amor num contexto desses. É aceitação seja por comodismo, sado-masoquismo, ignorância, qualquer coisa menos amor.
Precisamos tirar a visão romântica de nossas vidas, pois isso também perturba a efetivação adequada da lei que é criminal. Sem dúvida envolve outros aspectos, mas jamais devemos apoiar o romantismo moralista de “manter a família a qualquer sacrifício”, perdoar o “pai dos meus filhos” ou coisas do gênero.
Para que a Lei Maria da Penha progrida é necessária uma educação para a cidadania proporcionando às pessoas a capacidade de diferenciar a atuação do Estado na área criminal e civil, com as expectativas reais quanto à solução dos problemas.


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