sábado, 9 de maio de 2009

Artigo da ministra Nilcéa Freire

O texto, publicado na edição de terça-feira (dia 5) do jornal Correio Brasiliense, é assinado pela ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República, Nilcéa Freire. No artigo, ela faz referência a uma decisão tomada pelo TJDFT de arquivar um caso de violência doméstica, onde um homem espancou e ateou fogo n o corpo da companheira grávida de seis meses



Está na Lei: é pra valer!
por Nilcéa Freire
Retrocesso. Essa é a palavra certa para definir a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) ao arquivar definitivamente, no dia 27 de abril, o processo do caso do homem que espancou e queimou o corpo da companheira grávida de seis meses, em novembro de 2006, na cidade de Samambaia. Essa decisão contraria a Lei Maria da Penha (11.340/06), que não permite acordos e diz que a continuidade da ação não depende da vontade da vítima, e está na contramão do que diz respeito à garantia dos direitos das mulheres.
Diante desse e de outros casos, não se pode exigir da mulher que sofre violência doméstica, e que por vezes enfrenta situações de ameaça de morte ou se encontra frente à promessa de uma mudança do companheiro, que ela se responsabilize pela decisão de dar continuidade ao processo nos casos de lesão corporal. Dados da Pesquisa “Percepções sobre a Violência Doméstica contra a Mulher no Brasil”, divulgada, em abril, pelo Ibope, Instituto Avon e Instituto Patrícia Galvão, mostram que 17% afirmam que o medo de morrer caso rompa a relação é vista como a principal causa para continuar com o agressor.
Decisões como essa reproduzem a idéia de que a violência doméstica constitui um assunto privado, que deve ser tratado no âmbito das relações familiares e não pelo sistema de justiça. Podem enfraquecer a aplicação da lei e levar a um descrédito por parte da população no que diz respeito à proteção jurídica e policial. O estudo revela que a maioria dos entrevistados (56%) não confia na proteção oferecida à agredida.
Além disso, tal decisão pode abrir precedentes para que outros agressores saiam impunes e sintam-se encorajados para continuar na prática da violência doméstica. Nesse caso, vale notar que este tribunal está na contramão da história, já que hoje mais da metade da população entende a violência doméstica contra a mulher como crime e requer do sistema judiciário a punição dos agressores. De acordo com a pesquisa, 51% dos entrevistados defendem a prisão do agressor e 11% , a participação em grupos de responsabilização para agressores – conforme previsto na Lei Maria da Penha. O levantamento revela que cresceu de 68% para 78%, entre 2008 e 2009, o conhecimento da lei e 44% acreditam que a legislação já vem surtindo efeitos. Para a população, a questão cultural e o alcoolismo estão por trás da violência.
Diante deste fato e dos dados, constato que o conservadorismo e o machismo ainda estão bem longe de serem superados na nossa sociedade. Ainda persiste aquele antigo ditado “de que em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Nesse sentido, cabe aos agentes públicos, em especial das áreas da segurança e justiça – Delegados de Polícia, Defensores Públicos, Promotores de Justiça, Juízes, Desembargadores, Ministros de Tribunais Superiores –, intervir na questão da violência contra as mulheres. Este foi o desejo do legislador quando tornou, no âmbito da lei Maria da Penha, este delito como de ação pública incondicionada.
A incansável luta das mulheres por direitos logrou fazer reconhecer que a violência doméstica e intrafamiliar não é matéria da esfera privada, mas é uma questão de Estado. No entanto, a certeza da impunidade que alimenta tantos crimes é lamentavelmente reforçada quando um Tribunal de Justiça decide pelo arquivamento de um processo de violência contra a mulher, alegando que deve prevalecer a vontade da vítima em retirar a queixa. A conseqüência desta decisão é a extinção da punibilidade do agressor.
É interesse público que cesse a violência contra as mulheres, não podendo o Estado tolerá-la em nenhuma hipótese. A impunidade de crimes praticados contra a mulher não pode mais ser aceita e autorizada tacitamente. A Lei existe, portanto cumpra-se!
NILCÉA FREIRE , 56, médica, é ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Foi reitora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) de 2000 a 2003.

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